quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Um pequeno feixe de contradições

Feito novela “intelevisível”, procura nos seus próprios escombros alguma sanidade qualquer. Soterrado pela cidade que crava em seu peito a condição de presença ínfima, solitária e invisível.

É possível que ache algum cartão romântico em meio à papelada suicida, são pilhas e pilhas de bilhetes derradeiros, versos de ultimato e cartas de adeus. Quem sabe encontre ao menos resquícios de amores esquecidos, qualquer coisa que o faça esquecer as navalhas, os parapeitos, os remédios etc.

Já abandonou os livros de auto-ajuda, nada ajudaram, aliás, não suporta estes falsos moralistas que a todo o momento citam frases parafraseadas dos livros de auto-ajuda e outros best-sellers espirituais, pragmatismos de executivo, filosofias superficiais do oriente, frases manjadas de “sábios” e consolos corporativistas.

Já desistiu dos analistas, sua última consulta acabou com a analista de quatro no divã e ele sobre ela dizendo-lhe falácias masoquistas, cuja quais ela (a analista) teorizou como algo dentro do Behaviorismo ou alguma porra do gênero.

Já apelou também para as drogas, mas nada lhe fizeram além de deixar-lhe inquieto com algo banal ao seu redor, consumindo vorazmente qualquer pensamento ridículo que lhe caía à mente. Alguma merda jorrada dos porões da imbecilidade.

Por trás de todo olhar metódico complacente à realidade comedida, há um suicida em potencial. Há sempre aquele rapaz quieto, comportado, meio invisível na cidade. Aquele que sorri com serenidade aos outros, mas que por dentro, segura as rédeas para não cravar um punhal na jugular de alguém. Um franzino que apenas conta os dias ridículos que se passam inócuos, vagos em qualquer sentido. Alguém que fita as pessoas e não se vê entre elas. E que a todo o momento, planeja o ato final.

Caminha pela Rua Comendador Araújo, passa por algum sebo despercebido, alguma livraria nem reparada, algum café cheio de escritores que nunca serão lidos. Anda indômito, sem reparar em ninguém, nem em si próprio. Engana a si mesmo que seus passos apressados dizem respeito a algum compromisso. Chegando a Praça Osório, dá risada de si mesmo. Tem raiva de si mesmo e uma demasiada intolerância de sua mediocridade. Senta e lança os olhos sob os velhinhos jogando Gamão.

-Ainda mato um filho da puta destes.

Pensa ele.

-Não, você é um filho da puta. Não ponha a culpa desta vida ridícula nos aposentados que jogam Gamão.

Reflete e pondera, o suicida.

O primeiro sintoma do curitibano-esquizofrênico-possível-suicida-em-potencial é referir-se a si mesmo como “você” ao invés de “eu”. Talvez algum psicanalista de merda me diga que estou errado, pois Freud diz não sei o quê, e Foucault diz não sei o quê, e a Gestalt diz algum blá-blá-blá do caralho. Mas é que os psicanalistas ainda não conhecem o curitibano-esquizofrênico-possível-suicida-em-potencial. Este é um tipo de paciente peculiar, que sofre de males causados por uma combinação exímia de garoa de solidão, urbanismo cinza, literatura mal acabada e uma sensação iludida de Europinha em plena América do sul. Um pequeno feixe de contradições. Algo como um concretismo suicida ou um romantismo moderno que não sabe por um ponto final.

A Dondoca e o Anônimo

Sentiu o gozo na cara, como se fosse a própria felicidade estampada no regozijo da vida pútrida. Deleitava-se no lençol sujo, que cheirava a amores passados. O parceiro, inquilino de sua solidão, divagava a respeito das salivas, dos fluidos de artigos libidinosos, do sangue e da porra que restavam naquele lençol fedido.

Amassada e amancebada de desejos ligeiros, a dondoca descontou no pau do transeunte, anos de resignação burguesa, carregada de vingança.

-Dizem que a vingança é um prato que se come frio.

Ela disse.

O anônimo se ajeitou na cama e a fitou nos olhos.

A perua prosseguiu.

-Pois eu comi quente. A tal vingança, quente e lambida.

Sem entender nada, e sua existência nem dependia e nem sequer possuía as cargas necessárias para entender tal psicologismo, o amante anônimo agarrou-a novamente, a jogou de bruços, enfiou-lhe um sopapo na cara, cuspiu na cova da bunda burguesa, engomou o pau e enterrou-o no cú da burguesia curitibana. Numa ingenuidade e naturalidade histórica, disse na mais profunda populeza.

-Galinha que come pedra, sabe o cú que tem!

Ela sorriu, se deliciou e deu pro amante pobre e anônimo. Encarando no sonho, a cara do babaca do seu marido que se afunda em cocaína, da vadia de sua mãe que vara noites com pilhas de antidepressivos e do falido e empoeirado brasão da família, que há anos não ostenta nem sequer seu próprio peso.